EU NÃO QUERO VOLTAR SOZINHO
Sensibilidade, profundidade e temas polêmicos muito bem retratados num curta brasileiro
Por Winston Luiz
Sejamos objetivos: “Eu não quero voltar sozinho” é um curta brasileiro de 2010, e tem por diretor e roteirista Daniel Ribeiro. O filme alcançou uma boa divulgação e tem colecionado prêmios, nacional e internacionalmente.
Feitas as apresentações, vamos ao que realmente interessa: O curta é bom? Se sim, por que é bom? Vale a pena ser (re)visto?
Antes de mais nada, vamos resumir o roteiro: Leo é um garoto cego que faz amizade com um novato em sua escola (Gabriel). Aos poucos ele vai se descobrindo apaixonado pelo novo amigo e tem de aprender a lidar com seus sentimentos, desconhecidos até ali. A partir daí, o que fazer? Contar? Como?
Os episódios retratados no curta são relevantes e mostram a convivência entre os dois. São episódios numerosos e breves, o que nos dá a noção de passagem de tempo no filme: muitos dos episódios representam um dia novo e nos permitem ver a evolução da amizade. Uma terceira personagem, Giovana (amiga e confidente de Leo), também está presente e cumpre um papel importante na trama. No caso dela, também como conseqüência do passar do tempo e do evoluir da amizade dos garotos, vão surgindo sentimentos peculiares, infelizmente não tão positivos.
Os curtas-metragens, por terem um espaço de tempo resumido para contar sua história, precisam selecionar muito bem as cenas, de modo a registrarem aquilo que for mais relevante e mais significativo para que o objetivo final seja alcançado. É claro que, como bem se sabe, alguns filmes visam apenas a entreter o espectador, não se propondo a transmitir mensagem alguma – “eu não quero voltar sozinho” não é um desses filmes.
Ainda não é usual vermos filmes (curtas ou longas-metragens) que tenham por personagens principais homossexuais (homens ou mulheres); e, quando acontece de o personagem ter um papel significativo, com freqüência ocorrem apelos a estereótipos, os quais têm uma tendência a chamar a atenção para aspectos negativos e/ou bufônicos. O problema disso é que poucas vezes se retrata o ser humano e acaba-se por projetar imagens preconceituosas e erradas nas pessoas. Talvez o ponto mais positivo do filme seja precisamente o retratar do ser humano, independente de orientação sexual.
Leo e Gabriel são apenas 2 seres humanos que se descobrem apaixonados – todo o resto é detalhe, inclusive a cegueira. Nisto reside a maior parte da beleza deste curta.
Se pessoas com algum tipo de deficiência sofrem discriminação, imagine um garoto cego que porventura se apaixone por outro garoto. Daniel Ribeiro partiu disso e criou um enredo que toca o espectador. O tema ‘sexualidade’, por mais curioso que possa parecer, não tem grande relevância no filme – é o sentimento que é posto em foco: é aí que este trabalho transcende o convencional e, com razão, torna-se um trabalho artístico.
Merecem comentários também os aspectos formais do filme. As cenas são todas limpas, diurnas, e, com relação à iluminação, quase todas muito claras. Detalhes como os olhos e as mãos de Leo são bem retratados; toques, sussurros e impressões físicas também o são. Com estes elementos, nota-se o cuidado em representar com veracidade o sentir de uma pessoa cega, ao mesmo tempo em que as cenas recebem um acréscimo de notável sensibilidade.
Cada gesto foi bem pensado, cada olhar, cada sorriso. Tudo está no seu lugar, contribuindo para a história que é contada. Exemplo disso é a cena menos iluminada do filme, que se passa no quarto de Leo. Também é uma cena diurna, mas de penumbra, diferente das outras. Enquanto Leo troca de camisa, Gabriel o observa meio sem jeito. Passamos, então, a observar Leo pelo olhar de Gabriel: e eis aí a cena mais sugestiva do filme – sugestiva, mas muito inocente e desprovida de malícia. A menor claridade nesta cena pode sugerir intimidade, segredo, quiçá vergonha, pejo. E, quando a câmera volta a retratar Gabriel, ele se mostra claramente constrangido, olha para o lado e, em seguida, sorri desconcertado: um forte e mais nítido indício (há outros ao longo do filme) de que também ele está nutrindo sentimentos novos e diferentes pelo amigo.
Giovana não gosta das mudanças que a presença de Gabriel vem trazendo à amizade já estabelecida que ela tinha e passa a demonstrar ciúmes – mais um elemento complicador da curta trama.
Os diálogos são simples, naturais e limpos: representam simplesmente alunos de Ensino Fundamental ou Médio interagindo; vale dizer também que estão bem colocados e cumprem seu papel na construção das personagens.
Quanto à atuação, estão ótimos os três atores. Guilherme Lobo, particularmente, interpretando um garoto cego conseguiu fazer um trabalho que merece elogios.
É claro que há elementos que poderiam ser criticados, mas várias outras pessoas já teceram considerações sobre isto noutras páginas. Preferiremos apontar o que há de positivo e sugerir um novo olhar.
Esperamos que estes comentário tenham despertado o seu interesse. Caso não tenhas visto ainda, acesse o “link” indicado abaixo, assista e tire suas conclusões. Para quem já viu, esta é uma boa chance de rever e analisar, interpretar, reinterpretar, interagir com a obra. São apenas 15 minutos.
Após assistir ao filme, serão bem-vindos comentários sobre as impressões obtidas, além, é claro, do partilhar de interpretações. Espero que gostem!
Elenco:
Leonardo – Guilherme Lobo
Gabriel – Fabio Audi
Giovana – Tess Amorim
Professora – Nora Toledo
Professor – Júlio Machado
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Originalmente publicado em: http://www.camaragibeonline.com/2011/08/31/step-five/
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