sexta-feira, 13 de abril de 2012

EU NÃO QUERO VOLTAR SOZINHO

EU NÃO QUERO VOLTAR SOZINHO

Sensibilidade, profundidade e temas polêmicos muito bem retratados num curta brasileiro

Por Winston Luiz

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Sejamos objetivos: “Eu não quero voltar sozinho” é um curta brasileiro de 2010, e tem por diretor e roteirista Daniel Ribeiro. O filme alcançou uma boa divulgação e tem colecionado prêmios, nacional e internacionalmente.


Feitas as apresentações, vamos ao que realmente interessa: O curta é bom? Se sim, por que é bom? Vale a pena ser (re)visto?


Antes de mais nada, vamos resumir o roteiro: Leo é um garoto cego que faz amizade com um novato em sua escola (Gabriel). Aos poucos ele vai se descobrindo apaixonado pelo novo amigo e tem de aprender a lidar com seus sentimentos, desconhecidos até ali. A partir daí, o que fazer? Contar? Como?

Os episódios retratados no curta são relevantes e mostram a convivência entre os dois. São episódios numerosos e breves, o que nos dá a noção de passagem de tempo no filme: muitos dos episódios representam um dia novo e nos permitem ver a evolução da amizade. Uma terceira personagem, Giovana (amiga e confidente de Leo), também está presente e cumpre um papel importante na trama. No caso dela, também como conseqüência do passar do tempo e do evoluir da amizade dos garotos, vão surgindo sentimentos peculiares, infelizmente não tão positivos.

Os curtas-metragens, por terem um espaço de tempo resumido para contar sua história, precisam selecionar muito bem as cenas, de modo a registrarem aquilo que for mais relevante e mais significativo para que o objetivo final seja alcançado. É claro que, como bem se sabe, alguns filmes visam apenas a entreter o espectador, não se propondo a transmitir mensagem alguma – “eu não quero voltar sozinho” não é um desses filmes.

Ainda não é usual vermos filmes (curtas ou longas-metragens) que tenham por personagens principais homossexuais (homens ou mulheres); e, quando acontece de o personagem ter um papel significativo, com freqüência ocorrem apelos a estereótipos, os quais têm uma tendência a chamar a atenção para aspectos negativos e/ou bufônicos. O problema disso é que poucas vezes se retrata o ser humano e acaba-se por projetar imagens preconceituosas e erradas nas pessoas. Talvez o ponto mais positivo do filme seja precisamente o retratar do ser humano, independente de orientação sexual.

Leo e Gabriel são apenas 2 seres humanos que se descobrem apaixonados todo o resto é detalhe, inclusive a cegueira. Nisto reside a maior parte da beleza deste curta.

Se pessoas com algum tipo de deficiência sofrem discriminação, imagine um garoto cego que porventura se apaixone por outro garoto. Daniel Ribeiro partiu disso e criou um enredo que toca o espectador. O tema ‘sexualidade’, por mais curioso que possa parecer, não tem grande relevância no filme – é o sentimento que é posto em foco: é aí que este trabalho transcende o convencional e, com razão, torna-se um trabalho artístico.

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Merecem comentários também os aspectos formais do filme. As cenas são todas limpas, diurnas, e, com relação à iluminação, quase todas muito claras. Detalhes como os olhos e as mãos de Leo são bem retratados; toques, sussurros e impressões físicas também o são. Com estes elementos, nota-se o cuidado em representar com veracidade o sentir de uma pessoa cega, ao mesmo tempo em que as cenas recebem um acréscimo de notável sensibilidade.

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Cada gesto foi bem pensado, cada olhar, cada sorriso. Tudo está no seu lugar, contribuindo para a história que é contada. Exemplo disso é a cena menos iluminada do filme, que se passa no quarto de Leo. Também é uma cena diurna, mas de penumbra, diferente das outras. Enquanto Leo troca de camisa, Gabriel o observa meio sem jeito. Passamos, então, a observar Leo pelo olhar de Gabriel: e eis aí a cena mais sugestiva do filme – sugestiva, mas muito inocente e desprovida de malícia. A menor claridade nesta cena pode sugerir intimidade, segredo, quiçá vergonha, pejo. E, quando a câmera volta a retratar Gabriel, ele se mostra claramente constrangido, olha para o lado e, em seguida, sorri desconcertado: um forte e mais nítido indício (há outros ao longo do filme) de que também ele está nutrindo sentimentos novos e diferentes pelo amigo.

Giovana não gosta das mudanças que a presença de Gabriel vem trazendo à amizade já estabelecida que ela tinha e passa a demonstrar ciúmes – mais um elemento complicador da curta trama.

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Os diálogos são simples, naturais e limpos: representam simplesmente alunos de Ensino Fundamental ou Médio interagindo; vale dizer também que estão bem colocados e cumprem seu papel na construção das personagens.

Quanto à atuação, estão ótimos os três atores. Guilherme Lobo, particularmente, interpretando um garoto cego conseguiu fazer um trabalho que merece elogios.

É claro que há elementos que poderiam ser criticados, mas várias outras pessoas já teceram considerações sobre isto noutras páginas. Preferiremos apontar o que há de positivo e sugerir um novo olhar.

Esperamos que estes comentário tenham despertado o seu interesse. Caso não tenhas visto ainda, acesse o “link” indicado abaixo, assista e tire suas conclusões. Para quem já viu, esta é uma boa chance de rever e analisar, interpretar, reinterpretar, interagir com a obra. São apenas 15 minutos.

Após assistir ao filme, serão bem-vindos comentários sobre as impressões obtidas, além, é claro, do partilhar de interpretações. Espero que gostem!

Assista ao curta na íntegra:


Elenco:

Leonardo – Guilherme Lobo

Gabriel – Fabio Audi

Giovana – Tess Amorim

Professora – Nora Toledo

Professor – Júlio Machado

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Originalmente publicado em: http://www.camaragibeonline.com/2011/08/31/step-five/

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